sexta-feira, dezembro 22, 2006

A primeira coisa que vi foi a luz...

"A primeira coisa que vi foi a luz. Penetrou-me pelas pálpebras, abriu caminho pelo sono com carícias e deslizou até o sonho. Não era como a luz da manhã que eu costumava ver, não era branca e fresca, mas sim dourada. Com os olhos entreabertos em frente a uma janela com grandes cortinas de tule, entrevejo as poltronas estampadas, uma mesa bamba, um espelho e um armário. Há um esboço mal pintado na parede de um bazar no qual sombras de mulheres com grandes xales pretos deslizam pelas ruelas lúgubres.
— Estou em Bagdá!
A luz da manhã aqui é assim: furtiva.
Do outro lado das cortinas uma próxima revelação me espera: o Tigre. Tenho a impressão de já ter estado aqui antes. O tortuoso rio, os juncos ao longo das margens, as ilhotas de um verde ondulante no meio, as palmeiras que sobressaem orgulhosas e se refletem na superfície da água: tudo isso parece tirado de uma Bíblia que tive quando criança".


[Trecho do livro 101 Dias em Bagdá de Åsne Seierstad - essa mulher é tudo que há!]

Sartre e Simone? Jamais!!!!!!



[Por Mike Collett-White]


LONDRES (Reuters) - Um novo relato do célebre caso de amor livre entre os gigantes da literatura francesa Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir lança uma nova luz sobre o sofrimento, a raiva e os corações partidos que o relacionamento dos dois deixou.
O livro "Tête-à-Tête", de Hazel Rowley, que apresenta com detalhes pelo menos 14 casos extraconjugais que cada um teve, será lançado em duas versões, depois que a filha adotiva de Sartre, herdeira de seu legado, fez objeções ao uso de cartas inéditas.
Alguns trechos serão vistos pelos leitores nos Estados Unidos, onde as leis de direitos autorais são mais livres, mas não pelos leitores europeus.
Mas a autora disse que as alterações são mínimas e não vão prejudicar significativamente um livro que se baseia em correspondências antes inéditas entre os existencialistas franceses e seu grande círculo de amigos e amantes.

Durante as festidades de Ano Novo com quem gostaria de estar?



Resposta mais que inusitada [em meio ao marasmo de inúmeras respostas lugar-comum presentes na matéria] de Francisco Daudt, 58, psicanalista, titular da coluna "Fale com Ele", da Revista da Folha de São Paulo:

"Com um Rivotril (calmante), dormindo em minha cama, se o foguetório me permitir. A idéia de ser arrastado para uma festa que me imponha a obrigação de ficar eufórico, quando tudo o que quero é ficar no território do encantamento e da delicadeza das relações pessoais sem data marcada, me dá calafrios. Prefiro a morte lenta e todos os seus horrores. Respeito profundamente a quem pensa diferente, pois sou um defensor ferrenho das singularidades. De qualquer maneira, meu Ano Novo começa no dia do meu aniversário, e minha vida recomeça a cada dia, quando são feitas minhas resoluções de correção de rumo, baseadas em um constante aprendizado sobre mim e sobre os outros."

segunda-feira, dezembro 18, 2006

De "Os anos de Aprendizado de Wilhelm Meister"

[Wassily Kandinsky ]

[Goethe]

" Assim como duas sentinelas inimigas que, através de um rio que as separa, conversam tranquila e alegremente, sem pensar na guerra em que seus respectivos lados estão implicados, assim também a condessa trocava com Wilhelm olhares significativos, e cada um de seu lado acreditava poder entregar-se em segurança a seus sentimentos."


"Kennst du das Land, wo die Zitrone blühn
Im dunkeln Laub die Gol-Orange glühn,
Ein sanfter Wind von blauen Himel weht,
Die Myrthe still und hoch der Lorbeer steht,
Kennst du es wolh ?
Dahin, Dahin!
Mocht' ich mit dir, o meis Geliebter, ziehn!
Kennst du das Haus, auf Saulen ruht sein Dach, Es glanzt der Saal, es schimmert das Gemach,
und Marmorbilder stehn und sehn mich an:
Was hat man dir, dur armes Kind getan ?
Kennst du es wolh ?
Dahin!Dahin!
Mocht' ich mit dir, o mein Beschü tzer, ziehn!
Kennst du den Berg und seinen Wolkensteg ?
Daus Maultier sucht im Nebel seinen Weg,
In Hohlen Wohnt der Drachen alte Brut,
Es sturzt der Fels und uber ihn die Flut:
Kennst du inh wohl ?
Dahin!Dahin!
Geht unser Weg, o Vater, lass uns ziehen! "
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" Nur wer die Sehnsucht kennt
Weiss, was ich leide!
Allein und abgetrennt
Von aller Freude,
Seh' ich ans Firmament
Nach gener Seite.
Ach! der mich lieb und kennt
Ist in der Weite.
Es schwindelt mir, es brennt
Mein Eingeweind.
Nur wer die Sehnsucht kent
Weiss, was ich leid!"

Canção do Amor Único

[Matisse]

[George Luís de Carvalho]

Quero que você ande por
Onde eu andar
Quero que me siga, sem
Precisar sonhar.
Quero que você esteja
Onde eu estiver
De frente às cortinas
Junto ao muro
Perto das rosas.
Quero que você me acompanhe de mãos
Unidas e idealismo único
Com vigor no sangue para marcha
Quero que você
Ande por onde eu andar.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

O meu nirvana


No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!

Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato - ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéias -

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéias!

[Augusto dos Anjos]

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Singelo

"...disse tchau e beijou-o no rosto. Ainda podia sentir aquele cheiro e um leve roçar na sua barba [que era sua, só sua, porque ela inventara ele assim de barba, muito mais bonito]".

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Casa no Campo


[Van Gogh]
[ Zé Rodrix e Tavito]

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Negro Amor [It's all over now, Baby Blue]

[Renoir]

[Composição: Bob Dylan/Versão Péricles Cavalcante e Caetano Veloso, mas tanto faz ouvi-la na voz de Dylan, Gal Costa ou Gessinger, vá por mim! Escutei muito isso num determinado momento, recente até. É do cara se lascar!]


Vá, se mande, junte tudo que você puder levar
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
Chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
E não tem mais nada negro amor
A estrada é pra você e o jogo é a indecência
Junte tudo que você conseguiu por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice em seu lençol
Sob seus pés o céu também rachou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor
Seus marinheiros mareados abandonam o mar
Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
Seu namorado já vai dando o fora
Levando os cobertores? e agora?Até o tapete sem você voou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor
As pedras do caminho deixe para trás
Esqueça os mortos eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada negro amor

Serenata Sintética

[Matisse]

[Cassiano Ricardo]

Lua
morta
Rua
torta
Tua
Porta

Manhã

[Monte]

[Régis Bonvicino]
A manhã nasce
defendida
dispersiva
míope
nasce numa esquina

entre cortinas
nasce
em linha reta
galhos e pétalas
como uma cor
às avessas